Nas pequenas florestas de Camarões e da Guiné Equatorial, vive uma criatura que desafia a imaginação. Conhecida como rã-golias, esse anfíbio impressiona não apenas pelo tamanho — é o maior anuro sem cauda do mundo —, mas pela força bruta. O animal é robusto o suficiente para mover pedras que pesam cerca de 2 kg, uma habilidade que utiliza para construir ninhos próximos a rios e cachoeiras de correnteza rápida, seu habitat natural.
A vida desse gigante muda drasticamente ao longo do tempo. Quando ainda é um girino, sua dieta se baseia em uma planta aquática específica da região. Porém, ao atingir a fase adulta, a rã-golias se torna um predador voraz, alimentando-se de insetos, crustáceos, peixes e, surpreendentemente, até de outros anfíbios e pequenos mamíferos. Mas essa força não tem sido suficiente para garantir sua sobrevivência.
A rã-golias está desaparecendo. Segundo dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a população da espécie sofreu uma queda dramática de 50% nas últimas três gerações. A culpa recai sobre uma combinação letal de fatores: o desmatamento desenfreado, a caça predatória e a coleta ilegal vêm dizimando o animal em Camarões. Além disso, a expansão da agricultura, a extração de madeira e o crescimento dos assentamentos humanos estão engolindo o que resta de seu habitat.
Um retrato devastador na Oceania
Infelizmente, o drama vivido pela rã-golias na África não é um caso isolado, mas parte de um cenário global preocupante que se repete com intensidade assustadora na Austrália. O continente australiano, famoso por sua biodiversidade única, abriga mais de 1.100 espécies de répteis e 250 de sapos e rãs, indo desde gigantes como o lagarto-monitor até minúsculas rãs alpinas. No entanto, novos dados indicam que estamos perdendo essa riqueza biológica a uma velocidade alarmante.
Pela primeira vez, pesquisadores reuniram especialistas para contribuir com o Índice de Espécies Ameaçadas (TSX), uma ferramenta que usa dados robustos para medir a abundância relativa de espécies em perigo. O levantamento compilou informações sobre 28 espécies de rãs e 24 de répteis, totalizando quase 900 séries temporais de monitoramento.
Os resultados desse primeiro “raio-x” nacional foram sóbrios e chocantes. Desde 1985, os números populacionais desses animais caíram, em média, 96%. Quando olhamos separadamente, a queda é de 94% para répteis e 97% para rãs e sapos. Mesmo considerando anos de referência mais recentes, como 2000, o declínio permanece severo. É uma redução muito mais drástica do que a observada em aves, mamíferos ou plantas monitorados até hoje.
Doenças, fungos e invasores
Algumas perdas já são irreversíveis. O delicado lagarto skink da Ilha Christmas foi declarado extinto. Sete espécies de rãs também são consideradas perdidas para sempre, incluindo as duas únicas espécies de rã-de-incubação-gástrica — animais fascinantes que tinham a capacidade de chocar seus filhotes dentro do próprio estômago.
Mas o que está causando esse colapso? No caso dos répteis ameaçados, os motivos são variados. Enquanto tartarugas do rio Bellinger foram dizimadas por um vírus novo, outros animais, como os monitores aquáticos no norte da Austrália, sofrem com a presença de espécies invasoras, especialmente o tóxico sapo-cururu (cane toad). Além disso, répteis de áreas de campo continuam perdendo espaço para o desmatamento.
Para os anfíbios, o grande vilão tem nome: o fungo quitrídio. Esse patógeno se espalhou pela Austrália na década de 1980 e causou extinções em massa. Embora algumas espécies atingidas pelo fungo tenham mostrado sinais de recuperação, o declínio continua acentuado em outras, inclusive naquelas que não foram afetadas pela doença, sugerindo que ameaças como incêndios florestais, secas e espécies invasoras estão se intensificando.
Gestão é a chave para a recuperação
Apesar dos números desanimadores, nem tudo está perdido. A experiência mostra que intervenções diretas funcionam. O índice revela que populações de mamíferos que receberam ações ativas de conservação — como controle de raposas selvagens ou restauração de habitat — permaneceram relativamente estáveis, com um declínio de apenas 18% desde 1990. Já os mamíferos sem esse suporte caíram 45%.
O contraste é ainda mais evidente nas plantas: as populações ameaçadas que estão sendo conservadas ativamente cresceram 2% em média, enquanto as sem intervenção despencaram 81%. Essas estatísticas deixam claro que, com o gerenciamento correto e investimento em conservação, é possível reverter a curva de declínio e evitar que outras espécies tenham o mesmo destino trágico da rã-de-incubação-gástrica ou que a rã-golias se torne apenas uma memória nas florestas africanas.